Amor, idealização e decepção a partir da Trilogia Before

Quem é fã ou apreciador da trilogia Before, composta pelos filmes Antes do Amanhecer, Antes do Pôr do Sol e Antes da Meia Noite, deve concordar comigo que os diálogos emblemáticos do primeiro filme estão no âmago do que conquista a nossa simpatia e apreço.

Para quem ainda não assistiu, o filme Antes do Amanhecer trata da conexão imediata e também crescente entre a francesa Celine e o norte-americano Jesse, que iniciam um diálogo despretensioso durante uma viagem de trem e, antes que amanheça e cada um siga para seus próprios destinos, antes que o Jesse retorne aos EUA e a Celine siga sua viagem até Paris, vivenciam com intensidade um vínculo e afinidade que geralmente experimentamos poucas vezes na vida.

E, ao contrário do que muitos podem pensar, a afinidade entre eles parece ocorrer muito menos por suas semelhanças e concordâncias, e muito mais pela instigante partilha de seus diferentes pontos de vista, diferentes histórias, formas de afetação e projeções sobre assuntos alegóricos da existência humana (como a morte, o misticismo, questões de gênero e o próprio amor).

Dito isso, gostaria de ressaltar uma fala específica da Celine, que ocorre já algumas horas depois de o Jesse expressar uma visão mais cética sobre os relacionamentos que duram e soam felizes. Eles diz que esses casais provavelmente mentem um para o outro e que, inicialmente movidos por suas próprias projeções, invariavelmente se decepcionarão e acabarão por odiar um ao outro quando se conhecerem de verdade.

Nesse momento, a Celine apenas faz graça e não expressa sua própria opinião a respeito, mas, bem mais à frente, ela diz que é justamente quando caem as projeções, quando ela já consegue identificar os trejeitos da outra pessoa, as manias, antecipar as repetições, que é justamente aí que ela sabe que realmente se apaixonou e que realmente ama alguém.

No livro A gente mira no amor e acerta na solidão, da psicanalista Ana Suy, ela diz:

“É nesse momento em que algo acontece, quando um desiste de se ‘fazer’ para o outro, assume que eles são diferentes e consente com sua diferença, que com frequência se dá o ápice desses enredos e uma espécie de mágica acontece. A gente não ama o outro porque ele é nosso espelho, a gente ama o outro na notícia que ele dá de que há um mundo para além do nosso umbigo. Ter o nosso narcisismo furado é um baita alívio e, no amor, é disso que se trata”.

Enquanto o Jesse parece acreditar que é quando a projeção narcísica acaba que a graça vai junto e o amor também, o que inclusive justifica ele acreditar que casais que parecem felizes e que mantém relacionamentos duradouros precisariam, então, mentir um para o outro para permanecerem juntos, a Celine reconhece que é na diferença significativa, representativa do outro (que ela só é capaz de conhecer com o tempo e a convivência), que vem a graça de amar, que vem o próprio amor.

Ainda no livro da Ana Suy, ela conta o caso de uma amiga que se preocupava primordialmente com a elegância e bons modos dos rapazes que conhecia, fazendo destes critérios realmente decisivos nas suas escolhas, mas se viu relevando quando um rapaz com quem estava se envolvendo, sem quaisquer melindres, simplesmente começou a palitar os próprios dentes no restaurante.

O que lhe parecia muito grosseiro e seria um bom motivo para dar adeus foi de repente encarado com naturalidade, fazendo com que ela se surpreendesse, sobretudo, consigo mesma. Quem é essa aqui agora? Há, então, uma outra em mim diante desse outro, noticiada agora pela própria presença desse outro?

“É com essa imagem furada, então, que nos encontramos no amor. O outro está sempre em certa medida nos decepcionando narcisicamente, dando notícias de que não funciona em espelho conosco. É como o exemplo da minha amiga que se apaixonou pelo homem que palitava os dentes. Naquela cena, emblemática para ela, ela cai de seu pedestal narcísico e passa a ter acesso a algum lugar em si com o qual não está familiarizada. A gente não ama sem certa estranheza”.

Dá pra compreender a perspectiva de onde parte cada um dos personagens. Mas será que as coisas são tão bem separadinhas assim? Até este ponto aqui é projeção, deste ponto em diante temos a verdade do outro? Será que a verdade do outro é sempre uma iminente decepção de nossas expectativas ou também a surpresa que torna o amor mais real?

Ouso dizer que qualquer relacionamento será, para sempre, uma dança entre a projeção de nós mesmos e o outro real que se apresenta ali e, aqui e acolá, irá nos denunciar no que somos, seja naquilo que já conhecemos ou que não, tanto de nós quanto do outro.

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